Música é memória. Mas música também é descoberta – e talvez a descoberta seja a melhor parte do processo. Sem ela, não haveria memória.
Descobrir é uma ação ativa da minha rotina musical. Consigo contar em menos de uma mão quantos dias por mês eu passo sem conhecer alguma música ou artista ou álbum novo.
O mundo é tão vasto e as possibilidades são tantas que o mero pensamento de que eu vou morrer sem conhecer 0,00001% de toda a música que existe me assombra.
Mas eu faço o meu melhor.
Acontece que a descoberta — apesar de possivelmente ser a melhor parte do processo — não é a única variável. Música é memória, lembra?
E qual é a melhor forma de manter uma memória viva? Já temos essa resposta há milênios: através do registro.
Nunca foi tão fácil registrar uma música de que se gosta. No instante em que nos damos conta de que aquilo está agradando os ouvidos, é só desbloquear o celular, abrir o aplicativo do Spotify, apertar no pequeno símbolo de ‘mais’ e pronto: mais uma faixa salva em Músicas Curtidas.
Foi em meio a esse tipo de pataquada que eu acumulei 781 músicas salvas.
Eu sei, você sabe. Todo mundo sabe. Uma vez jogadas em Músicas Curtidas, nunca mais essas faixas vão voltar pros fones.
Um registro verdadeiro precisa ir além desse limbo.
Foi com isso em mente que eu criei a Mixtape do Show. Uma vez por mês, eu vou reunir em uma playlist as melhores músicas salvas nos últimos 30 dias (às vezes 31, raramente 28 e nem me faça pensar em 29).
E aí tem tudo que é tipo de coisa: lançamentos, coisas velhas que são novas pra mim, projetos que tavam salvos na minha biblioteca há meses e eu ainda não tinha escutado… Vale tudo.
Ah, e é claro que eu não ia deixar de falar um pouquinho sobre algumas das músicas presentes na playlist, né?
Então vem comigo que eu tenho certeza que pelo menos uma dessas seleções vai acabar entrando no teu limbo. Digo, no teu Músicas Curtidas.






C2 - Misplaced in time – The Caretaker (2017)
A mística por trás desse projeto é tão grande que acaba sendo um desafio enorme falar sobre ele em poucas palavras. Ainda vai virar um texto completo por aqui.
Lançado entre 2016 e 2018, Everywhere at the End of Time é um conjunto de 6 álbuns que busca representar os estágios da Doença de Alzheimer. A cada disco, a música vai se deteriorando – da mesma forma que a memória (olha ela aqui de novo) a cada estágio da doença.
Depois de conhecer e muito ouvir falar sobre o projeto na internet – com uma das faixas inclusive tendo virado meme –, finalmente eu resolvi escutá-lo. E a experiência é inquietante.
Pra quem não tem a paciência de escutar loops retirados de discos de quase 100 anos atrás ficando cada vez mais irreconhecíveis durante 6 horas até se transformarem em puro barulho, fica a indicação de um dos momentos mais sublimes de todo o coletivo de álbuns.
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Come Back Down – Men I Trust (2025)
Men I Trust é um fenômeno curioso. O trio canadense faz um indie pop muito gostoso, daqueles pra se colocar no fone durante um passeio no parque. Imagine sentar em um banco no Parque da Luz num domingo frio e ensolarado. Sozinho, observando o movimento da praça. Famílias, crianças e cachorros. Essa é o sentimento.
Mas não foi por conta disso, procurando esse tipo de som, que eu os conheci.
A parte curiosa do fenômeno é que Men I Trust foi abraçado por uma grande comunidade de produtores de house music na internet. Houve um tempo em que todas as músicas da banda tinham um remix de house. E foi assim que o aspirante a DJ aqui veio a conhecer o grupo.
No comecinho de maio, eles lançaram um álbum que derrete igual manteiga nos ouvidos. E Come Back Down foi a minha favorita do disco.
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Ascension Day – Talk Talk (1991)
Não é a primeira vez que eu falo disso por aqui: meu gosto musical é profundamente influenciado pela cultura nerd-de-música-da-internet. E como integrantes ativos dessa comunidade, tem certas coisas que a gente simplesmente conhece. Talk Talk é uma dessas bandas: sempre presente no discurso, mas até então ausente nos ouvidos.
Aí umas duas semanas atrás eu lembrei da existência do grupo e o efeito foi quase que magnético. Eu senti que precisava escutar algo deles imediatamente. A escolha foi o álbum mais bem avaliado no Rate Your Music: Laughing Stock.
Faltam palavras pra descrever esse aqui. Como todo bom projeto de post rock, o disco é muito atmosférico. Mas diferente de um Swans ou um Slint, o que o Talk Talk faz aqui é abandonar quase que totalmente qualquer senso de estrutura musical, o que causa um sentimento de flutuação.
Ascension Day é a exceção; é a faixa mais convencional do álbum – e foi exatamente por isso que ela foi a escolhida pra playlist. Mas caso tu goste, vale a pena encarar o álbum inteiro.
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Work Song For A Scattered Past – Fire! (2024)
“You don’t hate jazz. You fear jazz… with its lack of boundaries.”
Ai, o jazz… Se tem um gênero musical que pode te levar de um lado pro outro, te fazer sentir tudo que existe dentro do espectro sentimental humano, transcender da melodia ao barulho… É o jazz.
Eu não lembro exatamente onde conheci Fire! Acredito que tenha sido por algum dos escritores que eu comecei a seguir aqui no Substack depois de ter criado a minha conta – num post inclusive parecido com esse.
Viu? Escutem o que as pessoas que vocês acompanham tão recomendando; vale a pena.
Jazz do mais puro e cru. Baixo, bateria e saxofone. Com produção do Steve Albini. O que mais que tu quer?
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Something Beautiful – Miley Cyrus (2025)
Honestidade total aqui: eu nunca fui lá um grande fã da Miley. Como toda cantora vinda da Disney na mesma época que ela, parece que falta aquela coisa.
Mas sempre que uma artista pop relevante na indústria lança algo novo eu tô lá. Posso não gostar, mas vou ser um dos primeiros a ouvir. Ossos do ofício, eu acho.
Cara, como a Miley me calou com essa.
A música já tava boa, mas quando aquelas guitarras começam a entrar… Coisa de maluco.
Faz menos de uma semana que o álbum completo saiu e eu ainda não tive a oportunidade de escutar tudo; Something Beautiful foi um dos singles lançados anteriormente. Eu ainda vou ouvir o resto – e quem sabe alguma outra não entra na Mixtape de junho.
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Two Airships – Candy Claws (2008)
No final das contas, tudo se resume a essa. Não sei dizer se foi a minha descoberta favorita do mês, mas definitivamente foi a que eu mais escutei nos dias de maio.
Nunca o termo “noise pop” descreveu tão bem uma faixa. Imagina botar um chiclete na boca e, além do doce mais doce que o doce de batata doce, tomar um choque nas bochechas.
Para os meus companheiros sinestésicos: a sensação é essa. É grudento, com uma melodia que se apresenta nos primeiros segundos e se repete várias vezes pela primeira metade dos 12 minutos de música. Ao mesmo tempo em que é barulhento, corrosivo do melhor jeito possível.
Se for pra escutar só uma, que seja essa.
Mentira, escuta tudo.
E pelo amor de Deus, escuta em ordem.
E essa foi a primeira Mixtape do Show. Todo mês, na primeira quarta-feira, eu vou continuar trazendo essas playlists com recomendações das descobertas mais interessantes do mês anterior.
Espero que pelo menos alguma delas passe a fazer parte do teu catálogo.
Voltamos com a programação normal na semana que vem!
top!!!